A UNDROP do local ao global! – Entrevista com Serge Peereboom do MAP Bélgica

Serge Peereboom se descreve como um «filho da cidade, que partiu para o campo ao se tornar agricultor horticultor. Um camponês resistente em um mundo que vai rápido demais e esquece os verdadeiros valores da vida». Ele é mandaterre do Movimento de Ação Camponesa (MAP) na Bélgica e participou ativamente da redação, dentro do MAP, da Carta das Comunas Camponesas sobre a UNDROP. Nesta entrevista, ele expõe as ações do MAP, os desafios enfrentados pelos camponeses na Bélgica e a estratégia em torno da Carta. Você também pode encontrar nosso artigo dedicado à Carta aqui.

Você pode apresentar sua organização, o MAP, suas principais frentes de luta, assim como os desafios que os camponeses enfrentam na Bélgica?

O Movimento de Ação Camponesa (MAP) é uma associação belga de camponeses e cidadãos. Criamos a «Escola Camponesa Independente», baseada em uma rede de fazendas-escola para transmitir conhecimentos e saberes camponeses. Com o MAP, defendemos uma agricultura camponesa sustentável e a soberania alimentar, fundamentada na autonomia e na resiliência. Falamos aqui de autonomia técnica, mas também de autonomia decisória, de funcionamento e de grupo, ou seja, a possibilidade de se organizar dentro de uma rede camponesa com seu próprio modo de funcionamento e uma interdependência. E queremos uma agricultura resiliente para enfrentar as muitas crises atuais, sejam elas sociais, energéticas, climáticas, econômicas ou sociais.

Desde 2015, temos cinco prioridades: defender os direitos dos camponeses por meio de mudanças nas leis, produzir e difundir um discurso camponês forte, organizar os camponeses, formar os (futuros) camponeses para que sejam agentes de mudança e, finalmente, cultivar e reencantar o movimento camponês.

Também participamos ativamente do Sistema Participativo de Garantia (SPG). Diante dos rótulos orgânicos que não significam mais muita coisa e para aproximar consumidores e produtores, propomos o SPG. Trata-se de uma ferramenta de autocontrole, composta por uma fazenda receptiva, um camponês do mesmo setor, um grupo de consumidores e um embaixador. Baseado na confiança, em uma rede de atores envolvidos e na troca de conhecimentos, ele permite definir objetivos conjuntos para avançar em direção à agroecologia, co-construí-los e avaliar regularmente e em conjunto os progressos.

Com relação aos desafios, para nós, a questão central é a renda dos camponeses. Vários fatores dificultam a obtenção de uma renda justa: altos custos de produção em comparação com produtos importados produzidos a um custo muito baixo, menos terra arável disponível devido ao excesso de construção e usos não alimentícios – como agrovoltaicos, agrocombustíveis e cultivo de carbono (“carbon-farming”). No que diz respeito à terra, os preços por hectare também estão aumentando, principalmente devido à apropriação de terras por grandes grupos industriais ou investidores privados que estão se dedicando à agricultura industrial.

Vocês redigiram e publicaram uma “Carta das Comunas Camponesas”. Do que se trata e quais são seus objetivos?

As Nações Unidas estabeleceram uma Declaração dos Direitos dos Camponeses, ou UNDROP. A Bélgica se comprometeu em uma comissão para aplicar essa declaração na Europa, mas percebemos que poucas pessoas, cidadãos ou políticos, conhecem essa Declaração. Portanto, nosso objetivo é tornar a Declaração dos Direitos dos Camponeses conhecida pelos vários níveis de governo, começando pelo mais acessível aos cidadãos: os municípios. E motivá-los a implementar a UNDROP.

Assim, redigimos uma Carta das Comunas Camponesas, retomando os direitos contidos na UNDROP, com propostas concretas de implementação no nível local. Estamos divulgando-a para todas as comunas e para os candidatos às eleições comunais deste outono, a fim de inspirá-los e motivá-los a se posicionar e se comprometer. Com essa carta, visamos promover a UNDROP, do global ao local!

São os órgãos políticos locais, as comunas, e seus eleitos, que têm o poder, o dever e a responsabilidade de envolver todos os cidadãos na implementação de medidas concretas e locais.2

Carta das Comunas Camponesas, MAP, p.7

Para as eleições municipais de 2018, a MAP já havia optado por desafiar as autoridades políticas locais (as mais acessíveis aos cidadãos). Elaboramos uma carta com base em nossas descobertas sobre a agricultura camponesa e fornecemos alavancas para ação em nível municipal. Repetimos a experiência, dessa vez destacando a Declaração dos direitos dos camponeses e usando-a como base para propor ações.

Como vocês vão divulgar a carta entre os eleitos?

Por meio de embaixadores e embaixadoras para divulgar a carta em suas comunas. Nada melhor do que o contato direto de cidadãos motivados para interpelar os poderes comunais. Um vídeo será lançado em breve.

Sem esquecer o encontro na Petite Foire em torno da Carta. Todos os anos organizamos a Petite Foire [Pequena Feira] da agricultura camponesa, que é a vitrine da agroecologia camponesa, a alternativa à Grande Feira Agrícola de Libramont, uma feira comercial, agroindustrial e ultra subsidiada que ocorre no mesmo fim de semana na mesma região. A Petite Foire é, portanto, o local ideal para apresentar a UNDROP ao maior número possível de visitantes. Muito poucas pessoas conhecem a Declaração.

Você pode nos dar alguns exemplos de direitos consagrados na UNDROP que vocês usaram em sua Carta, adaptando-os ao contexto e ao mandato comunal?

Na Carta, retomamos 10 artigos da UNDROP: artigo 2 (obrigações dos Estados), artigo 9 (liberdade de associação), artigo 10 (direito à participação), artigo 15 (direito à alimentação e à soberania alimentar), artigo 16 (direito a uma renda digna e aos meios de produção), artigo 17 (direito à terra), artigo 18 (direito ao meio ambiente), artigo 19 (direito às sementes), artigo 20 (direito à biodiversidade) e artigo 25 (direito à educação e à formação).

O direito para o qual fazemos mais propostas é o direito à alimentação e à soberania alimentar. Partimos de propostas amplas, como informar os cidadãos sobre seu direito, para chegar a propostas mais concretas e específicas. Propomos, assim, que as comunas façam avaliações sobre sua autonomia alimentar e agrícola, sobre as necessidades dos habitantes e sobre os recursos disponíveis na comuna. A próxima etapa que destacamos é a construção coletiva, com os habitantes, de objetivos sobre a alimentação na comuna. Em seguida, isso pode levar à construção, por exemplo, de um sistema de ajuda alimentar saudável e local ou de uma restauração coletiva local e camponesa. Para cada etapa, detalhamos as modalidades e também damos exemplos de comunas que já implementaram essas propostas.

Também podemos falar do direito à terra, pois o acesso à terra é uma questão central hoje. Com pilares como favorecer a instalação de camponeses e proteger as terras agrícolas. Posso dar exemplos concretos de ações que uma comuna pode realizar, como disponibilizar terras comunais, permitir a instalação de habitações leves, proibir a urbanização e buscar habitações vagas.

Também escolhemos direitos políticos para destacar: a liberdade de associação e o direito à participação. Em ambos os casos, as comunas podem implementar várias ações.

Como vocês concebem a estratégia de promoção e implementação da UNDROP no nível nacional? Em outras palavras, como essa Carta – dirigida especificamente às autoridades locais/comunais – se articula com a estratégia de incidência no nível das autoridades nacionais na Bélgica?

Para fechar o ciclo: do local ao global! Esperamos que as autoridades comunais divulguem a Carta e a UNDROP nos níveis regional e nacional. Acompanhar tudo isso exigirá um trabalho significativo. O dia 17 de abril, Dia Internacional das Lutas Camponesas, será uma oportunidade para encontros sobre a UNDROP e também para fazer balanços das ações a partir da Carta. Mas o MAP precisaria de apoio para alcançar isso.

Também trabalhamos com parceiros, como a organização Fian Bélgica, para divulgar com eles a UNDROP e a Carta em todas as comunas da Valônia e de Bruxelas.

Também achamos que seria bom dar a conhecer a UNDROP no setor jurídico e nas faculdades de direito e universidades, entre os futuros juristas, advogados, juízes… Resta saber como!

Qual é, para você, o papel dos camponeses e dos cidadãos na divulgação da UNDROP?

Temos uma campanha do MAP chamada “Eu sou camponês/sa”, que é essencial para conectar camponeses e cidadãos: todos nós somos camponeses! Por quê? Porque nossos avós eram camponeses, mas principalmente porque todos precisamos nos alimentar todos os dias! A questão da alimentação e, portanto, da agricultura, cristaliza hoje todos os grandes desafios que nossa sociedade enfrenta: a transmissão de saberes e conhecimentos, a saúde, a justiça social, a proteção da natureza, os desafios climáticos e energéticos…

É urgente construir nossa soberania alimentar. Todos os cidadãos têm um papel importante a desempenhar para tornar nossos direitos conhecidos. É nosso dever!

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